ESTUDO 4
por Messias R. Medeiros
Olá, bem-vindo ao estudo 4, hoje continuaremos a interpretar os textos que são usados pelos conservadores para condenar qualquer prática não cisheteronormativa.
Focaremos no entendimento dos textos de Romanos 1:26-27, o analisaremos e o interpretaremos aos moldes do método que apresentamos no estudo 2.
Todos os trechos bíblicos aqui citados em sua versão em português será feito por meio da Nova Almeida Atualizada da Sociedade Bíblica do Brasil.
I. Descrição do Texto
Apresento abaixo o texto de Romanos 1:26-27:
Por causa disso, Deus os entregou a paixões vergonhosas. Porque até as mulheres trocaram o modo natural das relações íntimas por outro, contrário à natureza. Da mesma forma, também os homens, deixando o contato natural da mulher, se inflamaram mutuamente em sua sensualidade, cometendo indecência, homens com homens, e recebendo, em si mesmos, a merecida punição do seu erro.
II. Definições dos Contextos
É essencial para entendermos e interpretarmos o texto da melhor forma possível, seguindo o método hermenêutico utilizado, que se passem as seguintes definições:
1. Contexto Interno Local: Romanos 1:13 – 2:11;
2. Contexto Interno Global: Gálatas 5:19 e 4:8;
3. Contexto Externo:
a) o livro de romanos é uma epístola escrita (copista: Tércio) ou ditada por Paulo entre 50 e 57 d.C., endereçada à igreja de Roma. É uma carta de defesa da visão do evangelho de Cristo que Paulo fazia para esta igreja e foi escrita antes de conhecer a igreja pessoalmente. O livro precede aos evangelhos canônicos;
b) tal qual pode ser evidenciado nos estudos anteriores, o pano de fundo cultura pouco se alterou no ambiente do Império Romano. O politeísmo diverso era o praticado e os diversos cultos de festividades e bacanais eram constantemente realizados em datas específicas do ano, a prostituição cultual (sexo ritual) bem como os comportamentos de toevah eram fartamente praticados dentro das muitas religiões praticadas no território, incluindo o culto ao imperador;
c) Paulo foi formado pela escola farisaica, profundo conhecedor da Torah (lei) e do Nevi’im (profetas), utilizava em suas epístolas a sua tradução para o grego denominada de Septuaginta (LXX). A crítica textual evidencia que ao longo de Romanos, Paulo, faz citações diretas e indiretas desta versão das escrituras judaicas. Isto inclui o texto em análise que se trata de um citação indireta de Levítico 18:22;
d) Há muita discussão na crítica textual e histórica a respeito da autenticidade das epístolas paulinas, mas Romanos é consensuada como autêntica, todavia não se trata de um carta só, mas a somatória de de duas ou mais cartas. Paulo teria escrito de fato apenas 7 das 13 que a ele a tradição atribui (para entender melhor vide: http://quem-escreveu-torto.blogspot.com/2013/02/paulo-introducao-sobre-as-cartas.html e http://histriadasreligies.blogspot.com/2013/11/a-autoria-das-epistolas-paulinas.html);
e) Paulo provavelmente bebeu da filosofia grega e estoica, pois vários de seus conceitos estão espalhados por suas epístolas. Conceitos como tudo que vem do corpo ou da carne é necessariamente mal e tudo que provém da alma ou do espírito é bom e que essas realidade eram irreconciliáveis. Tudo que é puro e santo é espiritual, mas tudo que é impuro e ou indigno é carnal.
III. Interpretação de Romano 1:26-27
O texto em interpretação segue a mesma lógica dos textos de levítico do estudo anterior. O pano de fundo religioso é muito semelhante. Politeísta e com práticas cultuais bem similares aos povos antigos ao redor dos hebreus. Agora, muitos povos tremulam sob a bandeira do império romano, onde esses cultos são realizados.
O texto em si é, na realidade, uma citação indireta que Paulo faz de Levítico 18:22. E portanto, cabe aqui a mesma interpretação que fizemos em relação ao texto original. Paulo, entendia que as práticas idólatras era o grande problema do mundo romano e que Jesus, o Cristo, era o libertador desse povo da escuridão em que se encontrava:
Mas, no passado, quando não conheciam a Deus, vocês eram escravos de deuses que, por natureza, não são deuses. (Gálatas 4:8)
Esse é o entendimento de Paulo em todas as epístolas autênticas, uma forte atrelação entre as práticas e costumes dos povos da sua época com o culto aos muitos deuses, que por herança judaica do cristianismo nascente, não eram deuses de fato. Por isso, encontramos o versículo que diz:
Por isso, Deus os entregou à impureza, pelos desejos do coração deles, para desonrarem o seu corpo entre si. Eles trocaram a verdade de Deus pela mentira, adorando e servindo a criatura em lugar do Criador, o qual é bendito para sempre. Amém! (Romanos 1:24-25)
Este texto é exatamente o que antecede aos versos que estão sendo interpretados. É claro que Paulo faz uma atrelação entre o que ele esta descrevendo no contexto interno local e a idolatria. Foque nas palavra destacadas em negrito, que são traduções das palavras gregas ἀκαθαρσίαν (akatharsian – que traz a ideia daquilo que é impuro ou impróprio, no sentindo de ser o inverso do que é Santo ou separado para Deus) e ἀτιμάζεσθαι (atimazesthai – que traz a ideia de desonra, insulto, desgraça), e que nos diz muito em como essas ideias se conectam aquela ideia de levíticos da pureza ritual, de algo não fosse toevah contra a unicidade do culto ao Deus único dos hebreus. É a este mesmo Deus que Paulo está o tempo todo se referindo. A idolatria, com todos os seus efeitos, no entendimento de Paulo coaduna com o mesmo pensamento encontrado em Levítico. É na idolatria que o homem teria se afastado de Deus e por isso preferiam honrar a criatura, e isto acabava por degradar a si mesmo, padecendo de suas consequências. Esta é uma situação muito similar ao que encontramos nos textos do estudo 3.
O entendimento de Paulo me parece simples, quem é idólatra (e ele toma o exemplo de seu tempo) vive uma vida reprovável e tem por consequência, que ao ver dele era a favor ou contra natureza. Já que o entendimento judaico da época que vai ser absorvido pelo cristianismo, qualquer atividade que não tivesse um caráter reprodutivo no sexo era automaticamente contrário ao natural. Qualquer atividade sexual recreativa, era por assim, uma atividade que contrariava ao que seria natural. Na cabeça de Paulo, se aproveitando da filosofia grega, tudo que se desviava de qualquer outro preceito basilar do que era considerado natural, era um comportamento paralelo e não natural.
Então, tudo que era praticado ou feito nos templos e festivais pagãos idolátricos deveria ser afastado da igreja. Primeiro, porque era em honra e culto aos deuses que não eram deuses. Segundo, porque a igreja havia sido chamada para ser luz, fazer diferença, ser o novo israel, e suas práticas deveriam ser diferentes. Olhe para os frutos do espirito e da carne de Gálatas 5:19-23:
Ora, as obras da carne são conhecidas e são: imoralidade sexual, impureza, libertinagem, idolatria, feitiçarias, inimizades, rixas, ciúmes, iras, discórdias, divisões, facções, invejas, bebedeiras, orgias e coisas semelhantes a estas. Declaro a vocês, como antes já os preveni, que os que praticam tais coisas não herdarão o Reino de Deus. Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio. Contra estas coisas não há lei.
Na lista de coisas que Paulo apresenta a cima, veja que havia uma ligação muito forte entre a idolatria e os festivais dela decorrentes. Tudo de ruim era atrelado a eles, pois lhes faltava as obras do espírito que se ficam na moderação. Tudo que fosse exagero e descontrole era mal visto no pensamento paulino, porque em algum medida prejudicava a outro.
Veja, que literalmente, o texto em análise se refere a condição de homoerotismo. Não há o que se discordar disto. A questão passa a valer se isto se aplica a toda e qualquer situação ou é restritivo. Se você levar em consideração o seu contexto externo e o contexto interno local, não é possível afirmar isto. Uma vez que em todo o texto local há muito citação da idolatria e atrelamento a ela, como já citamos anteriormente.
Pode-se dizer que qualquer atividade homoerótica se enquadra nesta condenação? Em que situação vemos idolatria e homoerotismo caminhando juntos, se não no contexto do culto pagão e em seus festivais de fertilidade?
Conclusão
Sabemos de antemão que a bíblia em nenhum lugar se referiu à homossexualidade, muito menos as demais formas de orientação sexual e identidade de gênero, porque isto só veio aparecer como conceito no século XIX. Mas a homoeroticidade é captada em 3 versículos dentre as três dezenas de milhares existentes.
Em todas elas a marca é sempre a mesma, a atrelação das práticas sexuais dentro do contexto de culto pagão ou de prostituição ritualística. Mesmo que houvessem práticas extra cultuais, a bíblia nada a elas se refere. Não há citação da pederastia grega, nem mesmo as bebedeiras e festivais particulares de imperadores, proconsules e governadores durante todo o império romano. Parece que essas atividades, que incluíam a homoeroticidade não raras vezes, se quer mereceram o crédito de Paulo por citá-los como pecado, mesmo sendo amplamente conhecido, a tal ponto que o grande imperador Júlio César era conhecido como “homem de todas as mulheres e mulher de todos os homens”, casando diversas vezes e mantendo prostitutos em sua corte para lhe satisfazer.
Os três textos diretos que vimos até aqui, Levítico 18:22 e 20:13 e Romano 1:26-27, tem todos a mesma base e o mesmo contexto citatório: a idolatria e as diversas práticas dela decorrentes, incluindo o caráter irrefreativo do desejo sexual sendo elevado a condição de culto, e entre as práticas a homoeroticidade.
É, no mínimo, ignorância a respeito do contexto, alegar estas três passagem se referirem a homoeroticidade de forma ampla e irrestrita. Elas são circunstanciais e atreladas ao seu tempo, seja um povo hebreu cercado por pagãos, seja uma minúscula religião nascente no meio de um império pagão.
A pregação do amor a Deus e ao próximo, batia de frente contra as práticas idolátricas da época. Quem ama seu irmão não rouba sua mulher, não o trai, não bebe até perder o controle e fazer besteira, não se envolve com mulher casada, não vai para um templo pagão e participa de suas festas usando um prostituto ou prostituta, por exemplos.
A única forma de condenar a homossexualidade, sendo conservador, é ignorar o seu contexto externo e interno. É abrir mão da racionalidade divina. Isolar o texto. É acreditar que das dezenas de milhares de versículos existentes na bíblia é em três que repousa o destino de todo crente que não hétero? Se Deus é amor, e mesmo que se restrinja o caráter da graça, comparar a homossexualidade moderna ao homoerotismo do passado, é extremamente desonesto intelectualmente, porque não há muito similariedade além da presença homoerótica.
Ficamos por aqui neste estudo 4, e prosseguimos nos próximos estudos com os demais textos arrolados no estudo 1. Até lá!
Que o Senhor Jesus esteja com cada um de nós, hoje e para sempre! A Ele seja glória para sempre! Amém!
Nenhum comentário:
Postar um comentário