ESTUDO 1
por Messias R. Medeiros
Olá, neste primeiro estudo você iniciará sua jornada de libertação da escravidão da mente que muitos grupos religiosos cristãos conservadores colocaram em você, sem que tivesse a oportunidade de refletir sobre e pudesse tirar suas próprias conclusões.
Neste estudo, veremos sobre a origem e classificação das igrejas evangélicas, apresentaremos a ideia do pecado e quais textos são usados pelos conservadores e ortodoxos para condenar ao crente não hétero e, portanto, pertencente à comunidade LGBTQIAP+ (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queers, intersexos, assexuais, pansexuais e outras minorias sexuais não citadas).
I. A Origem e Classificação das Igrejas Evangélicas
O termo evangélico é empregado no Brasil para se referir a qualquer igreja ou grupo religioso que foi gerado durante a Reforma Protestante do século XVI (iniciado em 1517), em decorrência dela ou derivados de grupos diretamente a ela vinculados. Assim, tomo por conceito, “igreja evangélica” como sendo qualquer grupo religioso cristão que se deriva da Reforma e/ou que adote, em alguma medida, os princípios por ela defendidos: 1. a bíblia como única fonte de autoridade; 2. a salvação somente pela fé; 3. somente Cristo é o mediador entre homem e o espiritual; 4. salvação somente pela graça; e 5. somente a Deus se deve dá alguma glória).
Entendido o conceito de “igreja evangélica”, o ser cristão evangélico seria, por similaridade, aquele que segue, em alguma medida, os princípios fundamentais da Reforma ou o que segue alguma destas igrejas institucionalizadas.
As igrejas evangélicas e, por decorrência, os evangélicos, podem ser classificados sob três óticas:
1. Quanto aos usos e costumes (isto é, como os crentes encaram a realidade humana dentro e fora de suas paredes):
a. Conservadores – preservam tradições, usos e costumes que são praticados há muito tempo pelo grupo, tais como liturgias, formas de interpretação, cultura; tem muita dificuldades de aceitar modificações nesses padrões, e tendem a preferir o clássico em detrimento do novo. Exemplos de denominações que tendem a este posicionamento: presbiterianos, batista, metodistas, assembleianos, igrejas pentecostais de maneira geral;
b. Moderados – tentam manter um equilíbrio entre a conservação do que é bom e as novidades que aparecem na igreja; tendem a ser mais respeitosos com a diversidade humana. Exemplos: igreja que adotam a teologia da missão integral e vários membros de todas as denominações mais abertos ao diálogo;
c. Liberais – são crentes mais abertos a entender e abraçar as novidades que aparecem na igreja. Aceitam qualquer tipo de pessoas em seus meios e têm dificuldades para discriminar as pessoas e afastá-las, mesmo que tenham comportamentos diferentes do padrão da sociedade. Exemplos: igrejas inclusivas e membros de várias denominações.
2. Quanto a teologia que adotam (isto é, como entendem o sagrado e a interpretação que têm sobre ele):
a. Ultraortodoxos (ou fundamentalistas) – entendem que a teologia produzida na bíblia é literal e assim deve ser seguida. Método interpretativo usual: literal. Exemplos: Congregação Cristã, Deus é amor, alguns ministérios da Assembleia de Deus e outras denominações;
b. Ortodoxos – entendem que a bíblia deve ser lida e interpretada sempre que possível exatamente no sentido mais simples do texto. Método interpretativo usual: gramático-histórico. Exemplos: Igrejas Presbiterianas, Batistas, Metodistas, Assembleianas e a maioria das pentecostais. É nesta classificação da maioria das igreja evangélicas brasileiras se encontram;
c. Progressistas – entendem que a bíblia deve ser lida e entendida sempre com um olhar contextualizador, respeitando a cultura, costumes e o tempo do povo onde estava inserido. Se diferenciam dos liberais por ainda crerem na bíblia como fonte legítima de autoridade divina, ela ainda é a palavra de Deus. Método interpretativo usual: histórico-crítico adaptado. Exemplos: igrejas inclusivas, igreja anglicana, igreja luterana e o outros;
d. Liberais – não acreditam na bíblia como verdade reveladas de Deus, mas como sendo o resultado da interação de Deus com um povo específico (os hebreus), contado sob a ótica deste povo, portanto impregnado de aspectos culturais e contradições. A bíblia, portanto, fala mais do ser humano do que necessariamente do divino. Há, portanto, uma relativização e cai o princípio da bíblia como única regra de fé. Método interpretativo usual: histórico-crítico clássico. Exemplos: esta é uma corrente teológica sem denominações que a abracem, e costuma está restrita aos seminários e a poucas pessoas em todas as denominações mais abertas.
3. Quanto a contemporaneidade dos dons espirituais (isto é, como enxergam a manifestação do Espírito Santo nos dias atuais):
a. Históricos (ou tradicionais) – entendem que os dons do espírito são manifestações da necessidade da igreja e alguns deles foram transitórios e passageiros, não havendo normalmente mais a necessidade deles nos tempos atuais. São assim chamados por terem surgido temporalmente na Reforma ou próxima a ela. Exemplos: presbiterianos, batistas, metodistas, luteranos, congregacionais, anglicanos, etc.;
b. Pentecostais – entendem que todos os dons espirituais são contemporâneos, isto é, se manifestam atualmente na igreja. Dão enfase no dom de línguas e no de profecia. Nasce no movimento da rua azusa em Nova York em 1906 e se espalhou pelo mundo. No Brasil, deram origem a várias denominações em gerações: assembleia e congregação cristã (1ª geração; mais conservadores); deus é amor, quadrangular, maranata, o brasil para cristo, versões pentecostais de igrejas históricas, etc. (2ª geração); pentecostais de nicho, focadas em grupos específicos: sara nossa terra, bola de neve, hillsong, etc. (3ª geração);
c. Neopentecostais – entendem que os dons espirituais são contemporâneos, mas dão ênfase ao dom de cura e abraçam a chamada teologia da prosperidade. Exemplos: Igreja Universal, Internacional da Graça, Mundial do Poder de Deus, etc.
Assim, ao final, você vai entender que quando se falar de igreja conservadora, se fala em relação a usos e costumes, e que acabam por ter como consequência serem ultraortodoxos ou ortodoxos na teologia. Existe, no Brasil, fruto de uma sociedade patriarcal e machista que as igrejas geradas e mantidas aqui tendem a serem deste tipo majoritariamente.
Agora que você conseguiu entender a diversidade que o grupo evangélico tem, com costumes litúrgicos próprios, maneiras de interpretar a bíblia e seu entendimento quanto aos dons espirituais, é possível então prosseguirmos. Guarde estas informações porque elas são úteis para a compressão do lugar de fala de uma igreja, comunidade religiosa ou pessoa.
II. O Pecado
O conceito de pecado na bíblia é complexo de ser entendido, mas vou tentar explicar resumidamente.
A bíblia e a teologia dela decorrente afirmam haver um pecado original que a gente vê ser apresentado em Gênesis 3. Esse pecado seria fatal e hereditário, condenou toda a humanidade. O importante neste ponto é frisar que a grande consequência deste pecado, além dos nominados no texto literalmente, é o afastamento dos homens em relação à Deus.
Para os antigos hebreus, lá no tempo que se passa nos livros do êxodo, levíticos e deuteronômio, o pecado era qualquer transgressão da Torah (da lei mosaica escrita). Portanto, se a lei diz, não cobice as coisas do próximo e você cobiçou, cometeu pecado. Isto vai se manter ao longo do tempo até o exílio babilônico, quando os hebreus se tornam apenas judeus, e trazem consigo um cultura religiosa desenvolvida durante este período da Torah Oral (lei oral) que intensificou o que era ou não pecado.
Quando Iessu (Jesus) ha’Mashiach (o Cristo) veio ao mundo, esse conjunto do que seja pecado muda conceitualmente. A lei escrita ou oral já não era mais o padrão, mas a fé nele passa a ser o centro deste processo. O foco passou a ser o resgate da velha amizade com Deus por meio do amor que o pecado original havia retirado. Os aspectos morais, que são o fundamento da Torah, passaram a ser guiados por dois mandamentos fundamentais: amar a Deus e ao próximo. O amor aqui do tipo ágape, isto é, unilateral (não depende do outro retribuir), é prático (não é teórico, é fazer as boas obras) e é universal (não importava a sua condição de nascimento ou de vida).
Paulo irá afirmar que a lei tinha o papel de fazer a gente perceber o que era ou não errado (Romanos 3: 20), que todos são iguais no pecado (Romanos 3:22-23) e é a fé o fundamento agora, não a obediência da Torah (Romanos 3:28).
Todavia, muitos evangélicos dos tempos atuais continuam a utilizar a Torah como base do que é ou não pecado. Ainda que como parâmetro seja aceitável, a régua de medir se alterou. A forma como enxergamos o pecado, em Cristo, já não é pela ótica se está certo ou errado determinado comportamento moral, mas uma moralidade maior, pelo diapasão do amor (Mateus 22: 37-40). É a superabundante graça de Deus que, por meio da fé, alcançamos a religação com Deus, o restabelecimento do ele com o divino, por meio do Espírito Santo.
Uma vez entendido a ideia de pecado, passamos ao último ponto deste estudo.
III. Os Textos Acusativos
Os evangélicos conservadores, em sua maioria, se utilizam da bíblia para poderem imporem sua visão de mundo quanto a realidade da diversidade sexual. E acusam que pessoas, crentes ou não, que sejam não-héteros estão em pecado e apartados da glória de Deus se não se adequarem a uma vida cisheternormativa.
Apresento agora os seguintes textos encontrados na Bíblia para tal entendimento por eles defendido (estou utilizando a tradução na versão Nova Almeida Atualizada):
1. Textos Diretos (aqueles que expressão sem muitas dúvidas uma informação).
a. Levítico 18:22 – “Não se deite com outro homem para ter relações com ele como se fosse mulher; é abominação”;
b. Levítico 20:13 - “Se também um homem tiver relações com outro homem, como se fosse mulher, ambos praticaram coisa abominável; serão mortos; o seu sangue cairá sobre eles”;
c. Romanos 1: 26-27 – “Por causa disso, Deus os entregou a paixões vergonhosas. Porque até as mulheres trocaram o modo natural das relações íntimas por outro, contrário à natureza. Da mesma forma, também os homens, deixando o contato natural da mulher, se inflamaram mutuamente em sua sensualidade, cometendo indecência, homens com homens, e recebendo, em si mesmos, a merecida punição do seu erro”;
d. Os textos de Levítico dizem a mesma coisa e o de Romanos é uma citação indireta dos outros dois, baseado na Septuaginta (tradução do velho testamento do hebraico para o grego existente no tempo de Jesus). Então, tecnicamente se trata de um único texto sob 3 formas diferentes;
2. Textos Problemáticos (apresentam uma série de divergência quanto a tradução e significado nos originais, o que torna seu uso discutível).
a. 1 Coríntios 6:9-10 - “Ou vocês não sabem que os injustos não herdarão o Reino de Deus? Não se enganem: nem imorais, nem idólatras, nem adúlteros, nem afeminados, nem homossexuais, nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem roubadores herdarão o Reino de Deus”;
b. 1 Timóteo 1:10 - “para os que praticam a imoralidade, para os que se entregam a práticas homossexuais, para os sequestradores, para os mentirosos, para os que fazem juramento falso e para tudo o que se opõe à sã doutrina”;
3. Texto Irracional (apresenta um erro grosseiro de entendimento do que está inscrito e do seu sentido original).
a. Gênesis 19:1-10 (não irei citá-lo pelo tamanho do texto, mas no estudo específico nos debruçaremos sobre todo o texto).
Uma vez apresentado os seis textos utilizados na cruzada contra os crentes não-héteros, finalizamos o nosso estudo. Nos próximos, começaremos a entender cada um deles e a interpretá-los.
Que o Senhor Jesus esteja com cada um de nós, hoje e para sempre! A Ele seja glória para sempre! Amém!
Vídeo aula disponível aqui.
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