ESTUDO 2
por Messias R. Medeiros
Olá, neste segundo estudo iremos aprender sobre a conceituação sobre homossexualidade (e afins), apresentação do método de interpretação da bíblia a ser utilizada no entendimento dos textos e analisaremos os dois primeiros textos do rol que foi apresentados anteriormente.
I. Conceito de Homossexualidade e Afins
Antes de qualquer estudo sobre qualquer parte de qualquer texto antigo, como é o caso da Bíblia, é necessário que termos usados no presente e que não o eram no passado sejam esclarecidos para melhor entendimento. Assim, é necessário que você entenda que a conceituação de alguns termos importantes para os estudos de hoje e os seguintes.
Durante todo o período antigo, o conceito de homossexual era inexistente. Todos eram obrigados a se enquadrar dentro de terminados padrões sociais. A reprodução humana não costumava ser uma opção, tanto homens quando mulheres se arranjavam em casamento legais com o intuito de se reproduzirem (terem filhos). E isto não era diferente dos antigos hebreus e dos judeus sucessivamente.
As práticas não heterossexuais eram enquadras dentro dos costumes de cada povo antigo. Por exemplo, na Grécia antiga era aceitável dentro do costume educativo denominado de pederastia, no qual um homem mais velho (o erasta) tomava um jovem no início da adolescência até que se tornasse adulto (o eromenos, entre 12 e 18 anos, geralmente), sendo responsável por educá-lo e um dos contrapontos eram as práticas homoeróticas no processo e variavam de região (desde o educacativo-erótico até o estritamente erótico; foco no belo e exclusivamente para cidadãos da cidade); este costume se cessava quando o adolescente se tornava adulto, geralmente pelo desenvolvimento da barba. Há também casos registrados de quando a relação homoerótica evoluía ou se confundia com a relação homoafetiva, o que era muito mal visto na sociedade fora dos padrões estabelecidos culturalmente. A sociedade grega não era tão liberal quanto muitos imaginam. Os padrões esperados para homens e mulheres eram rigidamente ajustados e punidos em casos de desvios.
Se as pessoas, quer homens quer mulheres, cumprissem seus papeis reprodutivos e sociais preestabelecidos, não haveriam problemas mesmo que realizasse práticas consideradas modernamente homoeróticas até por volta de 533 d.C. (exceto entre os judeus) quando se tem registro da primeira lei romana proibindo as relações sexuais não reprodutivas (principalmente as homoeróticas) promulgada pelo imperador Justiano (um Cristão).
Na antiga nação hebreia bem com na nação judia posterior, havia uma postura legal que era um pouco mais rígida que as demais ao seu redor. As práticas sexuais que divergiam da relação reprodutiva era altamente condenada (discutiremos na análise dos textos em si o porquê), mas segundo os rabinos antigos (Talmud, lei oral), só era realmente punida se os sujeitos se negassem a deixar de praticá-las, o caráter da Torah era preventiva e não punitiva.
Não havia na antiguidade, assim, um conceito de homossexual como entendemos hoje nem os demais conceitos, nem mesmo a bissexualidade era entendida de maneira aparente e não relacionada à atração sexual. É somente a partir do século XIX, que a questão da sodomia (prática sexual com pessoa do mesmo sexo) deixa o campo da prática, com o avanço das ciências, e começa ser entendido como pertencente ao indivíduo. Surge, então, o sujeito agora, homossexual, posteriormente ao longo do século XX os estudos evoluem da concepção como doença para o conceito de orientação sexual (múltiplas) e surge também a identidade de gênero (mais extensiva do que o gênero biológico).
Ao fim, não podemos se quer dizer que na antiguidade havia homossexualidade, nem bissexualidade e nem heterossexualidade. Isto se aplica aos textos dela decorrentes, inclusive a bíblia.
II. O Método de Interpretação
Como informado no primeiro estudo, o método a ser utilizada na interpretação (hermenêutica) da bíblia aqui será uma adaptação (ou simplificação) do método histórico-crítico.
O método, em sua pureza, se ampara no fato de entender que o texto bíblico foi produzido por mãos humanas (ainda que em algum nível inspiradas) em uma época determinada, portanto são assim situados no tempo e no espaço, isto é, tem local e data de nascimento. Assim, não são eivadas de influências das mais vastas possíveis.
Consiste, assim, a submeter o texto em análise a três grandes variantes:
1. Crítica textual – baseando-se nos testemunhos dos mais antigos e melhores manuscritos, das traduções e outras fontes se tenta estabelecer o texto bíblico que seja o mais próximo possível ao texto original;
2. Análise linguística – compreende o estudo da morfologia e da sintaxe, somado ao uso da semântica. O objetivo desse uso é determinar o início e o fim das unidades textuais, verificando a coerência dos textos entre si. Por exemplo, se existem diferenças inconciliáveis de pensamento dentro de um mesmo texto, é provável que o texto não é de um mesmo autor, mas de vários. Nesse contexto se determinam os gênereos literários, o ambiente que gerou o texto e qual foi a sua evolução. Acrescenta-se também a crítida da redação, que procura determinar a evolução do texto antes de ter sido fixado na forma atual que conhecemos;
3. Crítica histórica – se um texto pertence a um gênero literário histórico e ou está relacionado com um evento, a crítica literária é completada pela análise histórica, determinando os aspectos históricos.
Em termos leigos, isto é, para uma pessoa comum aplicar o método puro, como apresentei acima, é um tanto quanto complexo. Para tanto, desenvolvi uma adaptação e simplificação, que consistirá apenas em submeter o texto à sua contextualização interna (a leitura do que vem antes e depois no próprio texto e suas conexões, os contextos internos local e geral) e externa (os aspectos históricos e culturais, por exemplo). O objetivo final é absorver o máximo do sentindo bíblico essencial e que não está preso a um tempo específico nem a uma local específico.
Veremos na prática, no próximo tópico, como isto funcionará.
III. A Análise do texto da destruição de Sodoma e Gomorra (Gênesis 19: 4-9)
Este texto, foi enquadrado por mim como texto irracional no estudo 1 por refletir uma confusão básica de interpretação que até mesmo a maioria dos que defendem um teologia ortodoxa acaba por reconhecer um equívoco muito grande atrelar essa passagem ao comportamento homoerótico.
Para demonstrar este equívoco feito pelos evangélicos mais conservadores, iniciaremos por apresentar o texto de Gênesis 19:4-9 na versão Nova Almeida Atualizada da Sociedade Bíblica do Brasil:
Mas, antes que eles se deitassem, os homens daquela cidade cercaram a casa. Eram os homens de Sodoma, tanto os moços como os velhos, sim, todo o povo de todos os lados.
E chamaram Ló e lhe disseram: — Onde estão os homens que, à noitinha, entraram na sua casa? Traga-os aqui fora para que abusemos deles.
Então Ló foi até a porta, fechou-a atrás de si e lhes disse: — Meus irmãos, peço-lhes que não cometam essa maldade. Olhem aqui! Tenho duas filhas, virgens, e vou trazê-las para vocês. Façam com elas o que quiserem, porém não façam nada a estes homens, porque se acham sob a proteção do meu teto.
Eles, porém, disseram: — Saia daí! E acrescentaram: — Ele é estrangeiro, veio morar entre nós e pretende ser juiz em tudo? Vamos fazer com você pior do que com eles. E atiraram-se contra o homem, contra Ló, e se aproximaram para arrombar a porta.
Este é o trecho essencial da passagem que começa ainda em Gênesis 18:16 e só encerrá em Gênesis 19:29. Para execução do método de interpretação precisamos definir três elementos: o contexto interno local (o trecho onde a passagem ocorre, a histórica completa), o contexto interno geral (onde no restante da bíblia há referências que ajudam a explicar o que ocorreu) e o contexto externo (aspectos culturais e históricos).
1. Contexto Interno Local: de Gênesis 18:16 à Gênesis 19:29 (o trecho do início ao fim do episódio/história).
2. Contexto Interno Geral: Gênesis 13:13, Jeremias 23:14 e Ezequiel 16:49 (critério de múltipla atestação das informações).
3. Contexto externo: propósitos e perspectivas do livro de Gênesis, cultura e religião da região na época em que o texto se encaixa.
Uma vez definido os limites, passamos a interpretação do texto anteriormente citado.
Contexto Externo (CE)
1. O livro de Gênesis se enquadra dentro de mais outros 4 livros (Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio) que compõe a Torah (A Lei) e que é comumente classificada pelos cristãos como Pentateuco (os 5 livros) e dentro do compêndio bíblico os livros se encontram no início.
2. Gênesis foi concebido para nos trazer a história de como tudo passou a existir, a genealogia das pessoas do mundo chegando até a origem dos hebreus, as histórias dos patriarcas e chegando até a liderança do profeta Moisés e o início do êxodo hebreu do Egito antigo.
3. Uma discussão importante que paira sobre toda a Torah é sua unicidade. A tradição afirma ser Moisés o autor dos cinco livros. Porém, com os estudos da atualidade, se tem certeza que ao menos uma parte do texto não foi escrito nem ditado por ele. Por exemplo, há a descrição da morte de Moisés em Deuteronômio 34. A maioria dos teólogos ortodoxos ainda o mantém como o autor de boa parte da Torah, seguindo a tradição.
4.
Teólogos
e estudiosos progressistas e liberais, trabalham com outra questão
sobre a autoria. Primeiro, porque encontram evidências múltiplas em
todos só 5 livros de que há diversos estilos literários, usos de
palavras e trechos, contradições que parecem indicar não haver uma
unidade nos escritos, o que impossibilitaria afirmar haver poucos
autores. Há, nesse entendimento múltiplos autores e redatores que
darão a forma final. Trabalho, assim com a adaptação da Hipótese
Documentária, do qual não falarei detalhadamente aqui, mas que
afirma existir só em Gênesis
ao menos 3 fontes (tradições
J – Javista [950
a.C.],
E – Eloísta [850
a.C.]
e P – Sacerdotal 500
a.C.])
diferentes que só foram aglutinadas por volta de 500 a.C. (após o
retorno do exílio babilônico), onde teria ocorrido a redação
final unindo e selecionando as fontes e a ordem em que apareceriam no
texto. Possivelmente
foram os sacerdotes que retornaram do exílio que realizaram este
feito da
redação final.
5. Os hebreus na época do texto em análise viviam cercados por povos politeístas, que praticavam várias religiões em que não era incomum os sacrifícios humanos e os festivais de fertilidade que ocorriam todos os anos. Nestes festivais, funcionavam como festa de catarse onde se ficavam muito bêbados, faziam-se homenagens e sacrifícios ao deus (ou deuses), havia comumente a depender do povo, prostituição cultual ou sexo ritualístico para os deuses abençoarem aos participantes, ou mesmo havia, dada a bebedeira generalizada já que os festivais podiam durar dias, um desenfreado caráter sexual onde ninguém literalmente era dono de ninguém, e o sexo corria à solta seja em honra aos deus seja no sanar dos apetites sexuais. Isto ocorria sem limitação de com quem se estivesse fazendo sexo, e é neste bojo que a relação homoerótica pública aparece num ambiente de culto aos deuses. Por exemplo, o festival ao deus Min no Egito Antigo, onde o próprio deus representado numa figura masculina de pênis ereto e o festival de Tekh (a festa da embriaguez).
Vou me ater a estes 5 pontos como panorama do contexto externo, por considerá-los suficientes para o entendimento do texto.
Interpretação
A história (Gn. 18: 16 – Gn. 19:29) descreve que anjos teriam ido até o patriarca Abraão para lhe comunicar que teria um filho legítimo para cumprir a promessa que Deus havia feito a ele de teriam uma grande descendência. Ao saírem de lá informaram que estariam indo até as cidades da campina (Sodoma e Gomorra) para executar a justiça de Deus. Abraão então intercede com Deus porque seu sobrinho, Ló, morava em Sodoma. Chegando em Sodoma, os anjos são abrigados por Ló e o homens souberam e foram até a porta da casa de Ló pedindo que colocassem os anjos para fora (eles pensavam se tratar de seres humanos) para que pudessem conhecê-los (fazer sexo). Ló chegou a oferecer as filhas em substituição para proteger os anjos, porém a turba não o quis. Os anjos então cegaram todos, exceto Ló, e levou ele e a família para sair da cidade sem olhar para trás, e operaram a destruição das cidades depois.
Os objetivos do texto eram apresentar o porque a região do mar morto, onde ficavam as cidades de Sodoma e Gomorra, era improdutiva e cheia de poços naturais de betume, e mostrar o poder de Deus para salvar o sobrinho de Abraão porque ele havia intercedido por ele, e que dele se havia originado dois povos: os moabitas e os amonitas; que seriam confrontados na conquista da terra prometida por Moisés e Josué.
A pergunta que se tem para entender o texto é que Deus havia condenado Sodoma e Gomorra pelo fato de terem relações homoeróticas em seu seio?
Pelo relato do texto (contexto interno local) há evidentemente há existência da intenção de prática homoerótica por parte dos homens da cidade para com os anjos. Porém, percebam que se trata de algo forçado, a raiz se concentra na perversidade desses homens. Se sabe que havia homoerotismo sendo praticado em rituais aos deuses locais. Ao que parece os anjos não foram convidados a participar, mas queriam obrigá-los a tal, como forasteiros que eram.
Se há alguma dúvida quanto ao entendimento do texto, recorremos ao contexto interno global:
1. Os habitantes das cidades eram maus: “Ora, os moradores de Sodoma eram maus e grandes pecadores contra o Senhor” (Gênesis 13:13);
2. Eram maus: “Mas nos profetas de Jerusalém vejo coisa horrenda: cometem adultério, andam com falsidade e fortalecem as mãos dos malfeitores, para que não se convertam da sua maldade. Para mim, todos eles se tornaram como Sodoma, e os moradores de Jerusalém, como Gomorra” (Jeremias 23:14);
3. Eram orgulhosos, não aparavam o pobre e o necessitado: “Eis que esta foi a iniquidade de sua irmã Sodoma: ela e as suas filhas foram orgulhosas, tiveram fartura de pão e próspera tranquilidade, mas nunca ampararam os pobres e os necessitados” (Ezequiel 16:49).
Veja que os textos referenciados não fazem menção que as duas cidades foram destruídas por causa das práticas homoeróticas em si, mas colocam na maldade, no coração orgulhoso, adultérios, falsidades, favorecimento dos que praticam maldades e o fato de não apararem o pobre e o necessitado como explicação das suas destruições.
Conclusão
O povo daquela cidade, os homens tanto jovens quanto velhos, eram seguidores de outros deuses. É como se o autor disse para quem estivesse lendo, nós seguimos ao único Deus verdadeiro, não façam como as nações ao redor idólatras, porque por isso são maus, a tal ponto de quererem forçar pessoas a fazem sexo na rua (provavelmente cultual ou ritual). A violência a cena demonstra me parece ser o ponto principal.
Não é possível, portanto, sem que você abra mão da racionalidade, acreditar que a história afirma que Deus condena a homoeroticidade (e homossexualidade, nos termos dos tempos atuais) por si só. O foco está na violência e maldade, como os outros autores posteriores também o entendiam.
Faz sentido que a história tenha existido como aviso para que o povo hebreu soubesse o que acontecesse quando você vive uma vida de maldades, uma hora Deus faria justiça. Esta, ao meu ver, é a principal informação que o texto nos trás e que pode ser aplicada em qualquer lugar e tempo.
Ao final, terminamos o segundo estudo e continuaremos os demais textos no estudo 3.
Que o Senhor Jesus esteja com cada um de nós, hoje e para sempre! A Ele seja glória para sempre! Amém!
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