sábado, 30 de maio de 2020

Estudo 2 - Casa Mirfe


ESTUDO 2



por Messias R. Medeiros



Olá, neste segundo estudo iremos aprender sobre a conceituação sobre homossexualidade (e afins), apresentação do método de interpretação da bíblia a ser utilizada no entendimento dos textos e analisaremos os dois primeiros textos do rol que foi apresentados anteriormente.


I. Conceito de Homossexualidade e Afins


Antes de qualquer estudo sobre qualquer parte de qualquer texto antigo, como é o caso da Bíblia, é necessário que termos usados no presente e que não o eram no passado sejam esclarecidos para melhor entendimento. Assim, é necessário que você entenda que a conceituação de alguns termos importantes para os estudos de hoje e os seguintes.

Durante todo o período antigo, o conceito de homossexual era inexistente. Todos eram obrigados a se enquadrar dentro de terminados padrões sociais. A reprodução humana não costumava ser uma opção, tanto homens quando mulheres se arranjavam em casamento legais com o intuito de se reproduzirem (terem filhos). E isto não era diferente dos antigos hebreus e dos judeus sucessivamente.

As práticas não heterossexuais eram enquadras dentro dos costumes de cada povo antigo. Por exemplo, na Grécia antiga era aceitável dentro do costume educativo denominado de pederastia, no qual um homem mais velho (o erasta) tomava um jovem no início da adolescência até que se tornasse adulto (o eromenos, entre 12 e 18 anos, geralmente), sendo responsável por educá-lo e um dos contrapontos eram as práticas homoeróticas no processo e variavam de região (desde o educacativo-erótico até o estritamente erótico; foco no belo e exclusivamente para cidadãos da cidade); este costume se cessava quando o adolescente se tornava adulto, geralmente pelo desenvolvimento da barba. Há também casos registrados de quando a relação homoerótica evoluía ou se confundia com a relação homoafetiva, o que era muito mal visto na sociedade fora dos padrões estabelecidos culturalmente. A sociedade grega não era tão liberal quanto muitos imaginam. Os padrões esperados para homens e mulheres eram rigidamente ajustados e punidos em casos de desvios.

Se as pessoas, quer homens quer mulheres, cumprissem seus papeis reprodutivos e sociais preestabelecidos, não haveriam problemas mesmo que realizasse práticas consideradas modernamente homoeróticas até por volta de 533 d.C. (exceto entre os judeus) quando se tem registro da primeira lei romana proibindo as relações sexuais não reprodutivas (principalmente as homoeróticas) promulgada pelo imperador Justiano (um Cristão).

Na antiga nação hebreia bem com na nação judia posterior, havia uma postura legal que era um pouco mais rígida que as demais ao seu redor. As práticas sexuais que divergiam da relação reprodutiva era altamente condenada (discutiremos na análise dos textos em si o porquê), mas segundo os rabinos antigos (Talmud, lei oral), só era realmente punida se os sujeitos se negassem a deixar de praticá-las, o caráter da Torah era preventiva e não punitiva.

Não havia na antiguidade, assim, um conceito de homossexual como entendemos hoje nem os demais conceitos, nem mesmo a bissexualidade era entendida de maneira aparente e não relacionada à atração sexual. É somente a partir do século XIX, que a questão da sodomia (prática sexual com pessoa do mesmo sexo) deixa o campo da prática, com o avanço das ciências, e começa ser entendido como pertencente ao indivíduo. Surge, então, o sujeito agora, homossexual, posteriormente ao longo do século XX os estudos evoluem da concepção como doença para o conceito de orientação sexual (múltiplas) e surge também a identidade de gênero (mais extensiva do que o gênero biológico).

Ao fim, não podemos se quer dizer que na antiguidade havia homossexualidade, nem bissexualidade e nem heterossexualidade. Isto se aplica aos textos dela decorrentes, inclusive a bíblia.


II. O Método de Interpretação


Como informado no primeiro estudo, o método a ser utilizada na interpretação (hermenêutica) da bíblia aqui será uma adaptação (ou simplificação) do método histórico-crítico.

O método, em sua pureza, se ampara no fato de entender que o texto bíblico foi produzido por mãos humanas (ainda que em algum nível inspiradas) em uma época determinada, portanto são assim situados no tempo e no espaço, isto é, tem local e data de nascimento. Assim, não são eivadas de influências das mais vastas possíveis.

Consiste, assim, a submeter o texto em análise a três grandes variantes:

1. Crítica textualbaseando-se nos testemunhos dos mais antigos e melhores manuscritos, das traduções e outras fontes se tenta estabelecer o texto bíblico que seja o mais próximo possível ao texto original;

2. Análise linguísticacompreende o estudo da morfologia e da sintaxe, somado ao uso da semântica. O objetivo desse uso é determinar o início e o fim das unidades textuais, verificando a coerência dos textos entre si. Por exemplo, se existem diferenças inconciliáveis de pensamento dentro de um mesmo texto, é provável que o texto não é de um mesmo autor, mas de vários. Nesse contexto se determinam os gênereos literários, o ambiente que gerou o texto e qual foi a sua evolução. Acrescenta-se também a crítida da redação, que procura determinar a evolução do texto antes de ter sido fixado na forma atual que conhecemos;

3. Crítica históricase um texto pertence a um gênero literário histórico e ou está relacionado com um evento, a crítica literária é completada pela análise histórica, determinando os aspectos históricos.

Em termos leigos, isto é, para uma pessoa comum aplicar o método puro, como apresentei acima, é um tanto quanto complexo. Para tanto, desenvolvi uma adaptação e simplificação, que consistirá apenas em submeter o texto à sua contextualização interna (a leitura do que vem antes e depois no próprio texto e suas conexões, os contextos internos local e geral) e externa (os aspectos históricos e culturais, por exemplo). O objetivo final é absorver o máximo do sentindo bíblico essencial e que não está preso a um tempo específico nem a uma local específico.

Veremos na prática, no próximo tópico, como isto funcionará.


III. A Análise do texto da destruição de Sodoma e Gomorra (Gênesis 19: 4-9)


Este texto, foi enquadrado por mim como texto irracional no estudo 1 por refletir uma confusão básica de interpretação que até mesmo a maioria dos que defendem um teologia ortodoxa acaba por reconhecer um equívoco muito grande atrelar essa passagem ao comportamento homoerótico.

Para demonstrar este equívoco feito pelos evangélicos mais conservadores, iniciaremos por apresentar o texto de Gênesis 19:4-9 na versão Nova Almeida Atualizada da Sociedade Bíblica do Brasil:


Mas, antes que eles se deitassem, os homens daquela cidade cercaram a casa. Eram os homens de Sodoma, tanto os moços como os velhos, sim, todo o povo de todos os lados.

E chamaram Ló e lhe disseram: — Onde estão os homens que, à noitinha, entraram na sua casa? Traga-os aqui fora para que abusemos deles.

Então Ló foi até a porta, fechou-a atrás de si e lhes disse: — Meus irmãos, peço-lhes que não cometam essa maldade. Olhem aqui! Tenho duas filhas, virgens, e vou trazê-las para vocês. Façam com elas o que quiserem, porém não façam nada a estes homens, porque se acham sob a proteção do meu teto.

Eles, porém, disseram: — Saia daí! E acrescentaram: — Ele é estrangeiro, veio morar entre nós e pretende ser juiz em tudo? Vamos fazer com você pior do que com eles. E atiraram-se contra o homem, contra Ló, e se aproximaram para arrombar a porta.


Este é o trecho essencial da passagem que começa ainda em Gênesis 18:16 e só encerrá em Gênesis 19:29. Para execução do método de interpretação precisamos definir três elementos: o contexto interno local (o trecho onde a passagem ocorre, a histórica completa), o contexto interno geral (onde no restante da bíblia há referências que ajudam a explicar o que ocorreu) e o contexto externo (aspectos culturais e históricos).

1. Contexto Interno Local: de Gênesis 18:16 à Gênesis 19:29 (o trecho do início ao fim do episódio/história).

2. Contexto Interno Geral: Gênesis 13:13, Jeremias 23:14 e Ezequiel 16:49 (critério de múltipla atestação das informações).

3. Contexto externo: propósitos e perspectivas do livro de Gênesis, cultura e religião da região na época em que o texto se encaixa.

Uma vez definido os limites, passamos a interpretação do texto anteriormente citado.


Contexto Externo (CE)


1. O livro de Gênesis se enquadra dentro de mais outros 4 livros (Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio) que compõe a Torah (A Lei) e que é comumente classificada pelos cristãos como Pentateuco (os 5 livros) e dentro do compêndio bíblico os livros se encontram no início.

2. Gênesis foi concebido para nos trazer a história de como tudo passou a existir, a genealogia das pessoas do mundo chegando até a origem dos hebreus, as histórias dos patriarcas e chegando até a liderança do profeta Moisés e o início do êxodo hebreu do Egito antigo.

3. Uma discussão importante que paira sobre toda a Torah é sua unicidade. A tradição afirma ser Moisés o autor dos cinco livros. Porém, com os estudos da atualidade, se tem certeza que ao menos uma parte do texto não foi escrito nem ditado por ele. Por exemplo, há a descrição da morte de Moisés em Deuteronômio 34. A maioria dos teólogos ortodoxos ainda o mantém como o autor de boa parte da Torah, seguindo a tradição.

4. Teólogos e estudiosos progressistas e liberais, trabalham com outra questão sobre a autoria. Primeiro, porque encontram evidências múltiplas em todos só 5 livros de que há diversos estilos literários, usos de palavras e trechos, contradições que parecem indicar não haver uma unidade nos escritos, o que impossibilitaria afirmar haver poucos autores. Há, nesse entendimento múltiplos autores e redatores que darão a forma final. Trabalho, assim com a adaptação da Hipótese Documentária, do qual não falarei detalhadamente aqui, mas que afirma existir só em Gênesis ao menos 3 fontes (tradições J – Javista [950 a.C.], E – Eloísta [850 a.C.] e P – Sacerdotal 500 a.C.]) diferentes que só foram aglutinadas por volta de 500 a.C. (após o retorno do exílio babilônico), onde teria ocorrido a redação final unindo e selecionando as fontes e a ordem em que apareceriam no texto. Possivelmente foram os sacerdotes que retornaram do exílio que realizaram este feito da redação final.

5. Os hebreus na época do texto em análise viviam cercados por povos politeístas, que praticavam várias religiões em que não era incomum os sacrifícios humanos e os festivais de fertilidade que ocorriam todos os anos. Nestes festivais, funcionavam como festa de catarse onde se ficavam muito bêbados, faziam-se homenagens e sacrifícios ao deus (ou deuses), havia comumente a depender do povo, prostituição cultual ou sexo ritualístico para os deuses abençoarem aos participantes, ou mesmo havia, dada a bebedeira generalizada já que os festivais podiam durar dias, um desenfreado caráter sexual onde ninguém literalmente era dono de ninguém, e o sexo corria à solta seja em honra aos deus seja no sanar dos apetites sexuais. Isto ocorria sem limitação de com quem se estivesse fazendo sexo, e é neste bojo que a relação homoerótica pública aparece num ambiente de culto aos deuses. Por exemplo, o festival ao deus Min no Egito Antigo, onde o próprio deus representado numa figura masculina de pênis ereto e o festival de Tekh (a festa da embriaguez).

Vou me ater a estes 5 pontos como panorama do contexto externo, por considerá-los suficientes para o entendimento do texto.


Interpretação


A história (Gn. 18: 16 – Gn. 19:29) descreve que anjos teriam ido até o patriarca Abraão para lhe comunicar que teria um filho legítimo para cumprir a promessa que Deus havia feito a ele de teriam uma grande descendência. Ao saírem de lá informaram que estariam indo até as cidades da campina (Sodoma e Gomorra) para executar a justiça de Deus. Abraão então intercede com Deus porque seu sobrinho, Ló, morava em Sodoma. Chegando em Sodoma, os anjos são abrigados por Ló e o homens souberam e foram até a porta da casa de Ló pedindo que colocassem os anjos para fora (eles pensavam se tratar de seres humanos) para que pudessem conhecê-los (fazer sexo). Ló chegou a oferecer as filhas em substituição para proteger os anjos, porém a turba não o quis. Os anjos então cegaram todos, exceto Ló, e levou ele e a família para sair da cidade sem olhar para trás, e operaram a destruição das cidades depois.

Os objetivos do texto eram apresentar o porque a região do mar morto, onde ficavam as cidades de Sodoma e Gomorra, era improdutiva e cheia de poços naturais de betume, e mostrar o poder de Deus para salvar o sobrinho de Abraão porque ele havia intercedido por ele, e que dele se havia originado dois povos: os moabitas e os amonitas; que seriam confrontados na conquista da terra prometida por Moisés e Josué.

A pergunta que se tem para entender o texto é que Deus havia condenado Sodoma e Gomorra pelo fato de terem relações homoeróticas em seu seio?

Pelo relato do texto (contexto interno local) há evidentemente há existência da intenção de prática homoerótica por parte dos homens da cidade para com os anjos. Porém, percebam que se trata de algo forçado, a raiz se concentra na perversidade desses homens. Se sabe que havia homoerotismo sendo praticado em rituais aos deuses locais. Ao que parece os anjos não foram convidados a participar, mas queriam obrigá-los a tal, como forasteiros que eram.

Se há alguma dúvida quanto ao entendimento do texto, recorremos ao contexto interno global:

1. Os habitantes das cidades eram maus: “Ora, os moradores de Sodoma eram maus e grandes pecadores contra o Senhor” (Gênesis 13:13);

2. Eram maus: “Mas nos profetas de Jerusalém vejo coisa horrenda: cometem adultério, andam com falsidade e fortalecem as mãos dos malfeitores, para que não se convertam da sua maldade. Para mim, todos eles se tornaram como Sodoma, e os moradores de Jerusalém, como Gomorra” (Jeremias 23:14);

3. Eram orgulhosos, não aparavam o pobre e o necessitado: “Eis que esta foi a iniquidade de sua irmã Sodoma: ela e as suas filhas foram orgulhosas, tiveram fartura de pão e próspera tranquilidade, mas nunca ampararam os pobres e os necessitados” (Ezequiel 16:49).

Veja que os textos referenciados não fazem menção que as duas cidades foram destruídas por causa das práticas homoeróticas em si, mas colocam na maldade, no coração orgulhoso, adultérios, falsidades, favorecimento dos que praticam maldades e o fato de não apararem o pobre e o necessitado como explicação das suas destruições.


Conclusão


O povo daquela cidade, os homens tanto jovens quanto velhos, eram seguidores de outros deuses. É como se o autor disse para quem estivesse lendo, nós seguimos ao único Deus verdadeiro, não façam como as nações ao redor idólatras, porque por isso são maus, a tal ponto de quererem forçar pessoas a fazem sexo na rua (provavelmente cultual ou ritual). A violência a cena demonstra me parece ser o ponto principal.

Não é possível, portanto, sem que você abra mão da racionalidade, acreditar que a história afirma que Deus condena a homoeroticidade (e homossexualidade, nos termos dos tempos atuais) por si só. O foco está na violência e maldade, como os outros autores posteriores também o entendiam.

Faz sentido que a história tenha existido como aviso para que o povo hebreu soubesse o que acontecesse quando você vive uma vida de maldades, uma hora Deus faria justiça. Esta, ao meu ver, é a principal informação que o texto nos trás e que pode ser aplicada em qualquer lugar e tempo.

Ao final, terminamos o segundo estudo e continuaremos os demais textos no estudo 3.

Que o Senhor Jesus esteja com cada um de nós, hoje e para sempre! A Ele seja glória para sempre! Amém!


Vídeo aula: assistir aqui

domingo, 24 de maio de 2020

Estudo 1 - Casa Mirfe

 


ESTUDO 1


por Messias R. Medeiros



Olá, neste primeiro estudo você iniciará sua jornada de libertação da escravidão da mente que muitos grupos religiosos cristãos conservadores colocaram em você, sem que tivesse a oportunidade de refletir sobre e pudesse tirar suas próprias conclusões.

Neste estudo, veremos sobre a origem e classificação das igrejas evangélicas, apresentaremos a ideia do pecado e quais textos são usados pelos conservadores e ortodoxos para condenar ao crente não hétero e, portanto, pertencente à comunidade LGBTQIAP+ (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queers, intersexos, assexuais, pansexuais e outras minorias sexuais não citadas).


I. A Origem e Classificação das Igrejas Evangélicas


O termo evangélico é empregado no Brasil para se referir a qualquer igreja ou grupo religioso que foi gerado durante a Reforma Protestante do século XVI (iniciado em 1517), em decorrência dela ou derivados de grupos diretamente a ela vinculados. Assim, tomo por conceito, “igreja evangélica” como sendo qualquer grupo religioso cristão que se deriva da Reforma e/ou que adote, em alguma medida, os princípios por ela defendidos: 1. a bíblia como única fonte de autoridade; 2. a salvação somente pela fé; 3. somente Cristo é o mediador entre homem e o espiritual; 4. salvação somente pela graça; e 5. somente a Deus se deve dá alguma glória).

Entendido o conceito de “igreja evangélica”, o ser cristão evangélico seria, por similaridade, aquele que segue, em alguma medida, os princípios fundamentais da Reforma ou o que segue alguma destas igrejas institucionalizadas.

As igrejas evangélicas e, por decorrência, os evangélicos, podem ser classificados sob três óticas:

1. Quanto aos usos e costumes (isto é, como os crentes encaram a realidade humana dentro e fora de suas paredes):

a. Conservadores – preservam tradições, usos e costumes que são praticados há muito tempo pelo grupo, tais como liturgias, formas de interpretação, cultura; tem muita dificuldades de aceitar modificações nesses padrões, e tendem a preferir o clássico em detrimento do novo. Exemplos de denominações que tendem a este posicionamento: presbiterianos, batista, metodistas, assembleianos, igrejas pentecostais de maneira geral;

b. Moderados – tentam manter um equilíbrio entre a conservação do que é bom e as novidades que aparecem na igreja; tendem a ser mais respeitosos com a diversidade humana. Exemplos: igreja que adotam a teologia da missão integral e vários membros de todas as denominações mais abertos ao diálogo;

c. Liberaissão crentes mais abertos a entender e abraçar as novidades que aparecem na igreja. Aceitam qualquer tipo de pessoas em seus meios e têm dificuldades para discriminar as pessoas e afastá-las, mesmo que tenham comportamentos diferentes do padrão da sociedade. Exemplos: igrejas inclusivas e membros de várias denominações.

2. Quanto a teologia que adotam (isto é, como entendem o sagrado e a interpretação que têm sobre ele):

a. Ultraortodoxos (ou fundamentalistas) – entendem que a teologia produzida na bíblia é literal e assim deve ser seguida. Método interpretativo usual: literal. Exemplos: Congregação Cristã, Deus é amor, alguns ministérios da Assembleia de Deus e outras denominações;

b. Ortodoxos – entendem que a bíblia deve ser lida e interpretada sempre que possível exatamente no sentido mais simples do texto. Método interpretativo usual: gramático-histórico. Exemplos: Igrejas Presbiterianas, Batistas, Metodistas, Assembleianas e a maioria das pentecostais. É nesta classificação da maioria das igreja evangélicas brasileiras se encontram;

c. Progressistas – entendem que a bíblia deve ser lida e entendida sempre com um olhar contextualizador, respeitando a cultura, costumes e o tempo do povo onde estava inserido. Se diferenciam dos liberais por ainda crerem na bíblia como fonte legítima de autoridade divina, ela ainda é a palavra de Deus. Método interpretativo usual: histórico-crítico adaptado. Exemplos: igrejas inclusivas, igreja anglicana, igreja luterana e o outros;

d. Liberais – não acreditam na bíblia como verdade reveladas de Deus, mas como sendo o resultado da interação de Deus com um povo específico (os hebreus), contado sob a ótica deste povo, portanto impregnado de aspectos culturais e contradições. A bíblia, portanto, fala mais do ser humano do que necessariamente do divino. Há, portanto, uma relativização e cai o princípio da bíblia como única regra de fé. Método interpretativo usual: histórico-crítico clássico. Exemplos: esta é uma corrente teológica sem denominações que a abracem, e costuma está restrita aos seminários e a poucas pessoas em todas as denominações mais abertas.

3. Quanto a contemporaneidade dos dons espirituais (isto é, como enxergam a manifestação do Espírito Santo nos dias atuais):

a. Históricos (ou tradicionais) – entendem que os dons do espírito são manifestações da necessidade da igreja e alguns deles foram transitórios e passageiros, não havendo normalmente mais a necessidade deles nos tempos atuais. São assim chamados por terem surgido temporalmente na Reforma ou próxima a ela. Exemplos: presbiterianos, batistas, metodistas, luteranos, congregacionais, anglicanos, etc.;

b. Pentecostais – entendem que todos os dons espirituais são contemporâneos, isto é, se manifestam atualmente na igreja. Dão enfase no dom de línguas e no de profecia. Nasce no movimento da rua azusa em Nova York em 1906 e se espalhou pelo mundo. No Brasil, deram origem a várias denominações em gerações: assembleia e congregação cristã (1ª geração; mais conservadores); deus é amor, quadrangular, maranata, o brasil para cristo, versões pentecostais de igrejas históricas, etc. (2ª geração); pentecostais de nicho, focadas em grupos específicos: sara nossa terra, bola de neve, hillsong, etc. (3ª geração);

c. Neopentecostais – entendem que os dons espirituais são contemporâneos, mas dão ênfase ao dom de cura e abraçam a chamada teologia da prosperidade. Exemplos: Igreja Universal, Internacional da Graça, Mundial do Poder de Deus, etc.

Assim, ao final, você vai entender que quando se falar de igreja conservadora, se fala em relação a usos e costumes, e que acabam por ter como consequência serem ultraortodoxos ou ortodoxos na teologia. Existe, no Brasil, fruto de uma sociedade patriarcal e machista que as igrejas geradas e mantidas aqui tendem a serem deste tipo majoritariamente.

Agora que você conseguiu entender a diversidade que o grupo evangélico tem, com costumes litúrgicos próprios, maneiras de interpretar a bíblia e seu entendimento quanto aos dons espirituais, é possível então prosseguirmos. Guarde estas informações porque elas são úteis para a compressão do lugar de fala de uma igreja, comunidade religiosa ou pessoa.


II. O Pecado


O conceito de pecado na bíblia é complexo de ser entendido, mas vou tentar explicar resumidamente.

A bíblia e a teologia dela decorrente afirmam haver um pecado original que a gente vê ser apresentado em Gênesis 3. Esse pecado seria fatal e hereditário, condenou toda a humanidade. O importante neste ponto é frisar que a grande consequência deste pecado, além dos nominados no texto literalmente, é o afastamento dos homens em relação à Deus.

Para os antigos hebreus, lá no tempo que se passa nos livros do êxodo, levíticos e deuteronômio, o pecado era qualquer transgressão da Torah (da lei mosaica escrita). Portanto, se a lei diz, não cobice as coisas do próximo e você cobiçou, cometeu pecado. Isto vai se manter ao longo do tempo até o exílio babilônico, quando os hebreus se tornam apenas judeus, e trazem consigo um cultura religiosa desenvolvida durante este período da Torah Oral (lei oral) que intensificou o que era ou não pecado.

Quando Iessu (Jesus) ha’Mashiach (o Cristo) veio ao mundo, esse conjunto do que seja pecado muda conceitualmente. A lei escrita ou oral já não era mais o padrão, mas a fé nele passa a ser o centro deste processo. O foco passou a ser o resgate da velha amizade com Deus por meio do amor que o pecado original havia retirado. Os aspectos morais, que são o fundamento da Torah, passaram a ser guiados por dois mandamentos fundamentais: amar a Deus e ao próximo. O amor aqui do tipo ágape, isto é, unilateral (não depende do outro retribuir), é prático (não é teórico, é fazer as boas obras) e é universal (não importava a sua condição de nascimento ou de vida).

Paulo irá afirmar que a lei tinha o papel de fazer a gente perceber o que era ou não errado (Romanos 3: 20), que todos são iguais no pecado (Romanos 3:22-23) e é a fé o fundamento agora, não a obediência da Torah (Romanos 3:28).

Todavia, muitos evangélicos dos tempos atuais continuam a utilizar a Torah como base do que é ou não pecado. Ainda que como parâmetro seja aceitável, a régua de medir se alterou. A forma como enxergamos o pecado, em Cristo, já não é pela ótica se está certo ou errado determinado comportamento moral, mas uma moralidade maior, pelo diapasão do amor (Mateus 22: 37-40). É a superabundante graça de Deus que, por meio da fé, alcançamos a religação com Deus, o restabelecimento do ele com o divino, por meio do Espírito Santo.

Uma vez entendido a ideia de pecado, passamos ao último ponto deste estudo.


III. Os Textos Acusativos


Os evangélicos conservadores, em sua maioria, se utilizam da bíblia para poderem imporem sua visão de mundo quanto a realidade da diversidade sexual. E acusam que pessoas, crentes ou não, que sejam não-héteros estão em pecado e apartados da glória de Deus se não se adequarem a uma vida cisheternormativa.

Apresento agora os seguintes textos encontrados na Bíblia para tal entendimento por eles defendido (estou utilizando a tradução na versão Nova Almeida Atualizada):

1. Textos Diretos (aqueles que expressão sem muitas dúvidas uma informação).

a. Levítico 18:22 – “Não se deite com outro homem para ter relações com ele como se fosse mulher; é abominação”;

b. Levítico 20:13 - “Se também um homem tiver relações com outro homem, como se fosse mulher, ambos praticaram coisa abominável; serão mortos; o seu sangue cairá sobre eles”;

c. Romanos 1: 26-27 – “Por causa disso, Deus os entregou a paixões vergonhosas. Porque até as mulheres trocaram o modo natural das relações íntimas por outro, contrário à natureza. Da mesma forma, também os homens, deixando o contato natural da mulher, se inflamaram mutuamente em sua sensualidade, cometendo indecência, homens com homens, e recebendo, em si mesmos, a merecida punição do seu erro”;

d. Os textos de Levítico dizem a mesma coisa e o de Romanos é uma citação indireta dos outros dois, baseado na Septuaginta (tradução do velho testamento do hebraico para o grego existente no tempo de Jesus). Então, tecnicamente se trata de um único texto sob 3 formas diferentes;

2. Textos Problemáticos (apresentam uma série de divergência quanto a tradução e significado nos originais, o que torna seu uso discutível).

a. 1 Coríntios 6:9-10 - “Ou vocês não sabem que os injustos não herdarão o Reino de Deus? Não se enganem: nem imorais, nem idólatras, nem adúlteros, nem afeminados, nem homossexuais, nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem roubadores herdarão o Reino de Deus”;

b. 1 Timóteo 1:10 - “para os que praticam a imoralidade, para os que se entregam a práticas homossexuais, para os sequestradores, para os mentirosos, para os que fazem juramento falso e para tudo o que se opõe à sã doutrina”;

3. Texto Irracional (apresenta um erro grosseiro de entendimento do que está inscrito e do seu sentido original).

a. Gênesis 19:1-10 (não irei citá-lo pelo tamanho do texto, mas no estudo específico nos debruçaremos sobre todo o texto).


Uma vez apresentado os seis textos utilizados na cruzada contra os crentes não-héteros, finalizamos o nosso estudo. Nos próximos, começaremos a entender cada um deles e a interpretá-los.

Que o Senhor Jesus esteja com cada um de nós, hoje e para sempre! A Ele seja glória para sempre! Amém!


Vídeo aula disponível aqui.


quinta-feira, 14 de maio de 2020

Testemunho e Relato de Fé


Eu tive muitos problemas para lidar com minha orientação sexual em meio a doutrina que sempre ouvi e aprendi na “igreja” conservadora, mas isto não é novidade para nenhum LGBTQIA+ criado na igreja evangélica brasileira. Compartilho, então, meu testemunho e relato com todos a fim de que alguns possam ser tocados.

Eu me descobri gay aos 8 anos de idade mais ou menos e levei uma surra bem grande do meu pai, no mesmo dia, devido a manifestação de minha "viadagem precoce". Talvez por isso tenha me marcado e recorde dos fatos. Para evitar este tipo de reação, criei um escudo de proteção que fazia com que eu transparecesse aos outros e à igreja algo que não era.

Minha adolescência foi marcada pela tensão entre minha fé e a doutrina da "igreja" (e a própria igreja), silenciosa e taciturna. Um conflito que levou a uma bifurcação: 1. a doutrina da igreja estava certa e eu era um pecador que precisava de arrependimento; 2. a doutrina da igreja estava equivocada.

Como um bom cristão batista, acreditei no primeiro e iniciei meu processo de cura espiritual, eu orei e clamei por longos anos pedindo a libertação do meu pecado, mas em nenhum tempo consegui e dei o meu melhor, acredite. E vendo de hoje fiz mais do que isso! Em algum momento após anos sem respostas, olhei para os héteros que estavam vivendo sua vida e me peguei me matando internamente pelos conflitos criados.

Então, resolvi mudar minhas orações de me livrar da "baitolagem" para que Deus me mostrasse a verdade a respeito do que eu estava vivendo. Eu tinha me preservado de ter contato com homens de qualquer natureza, até amizades mais próximas eu não tinha justamente por isso, para diminuir a tentação. Como escolhi o caminho 1, cheguei em outra encruzilhada, daí porque mudei minhas orações, na qual tive que refletir se Deus realmente queria que eu deixasse minha "viadagem". Se Deus assim o queria, porque não o fazia? Meu coração era sincero diante dele, eu estava plenamente desnudado em sua presença, não havia nada que ele não soubesse.

Nessa fase, a maioria de nós, LGBTQIA+ chega a conclusão que esse Deus da "igreja" não os ama e que é pecador e que não há reconciliação possível entre ser um não hétero e ser um "crente". Eu optei por outra forma, eu precisava saber se aquilo que eu era incomodava tanto a Deus que seria cortado do seu livro da vida. Então, eu quis me aprofundar na teologia, eu comecei a ler tudo que podia em matéria de teologia, abrindo o leque para ver todas as hipóteses, e por isso abandonei o primeiro caminho e comecei a trabalhar com o segundo caminho, o de que a doutrina da igreja estivesse equivocada.

Foi aí que minhas orações começaram a fazer sentido e Deus começou a me responder. E me respondia tão claramente, abria o entendimento me fazendo enxergar coisas que nunca tinha percebido ou entendido. Nisto, acabei fazendo, por conta própria, praticamente um curso de teologia com todas as disciplinas que se vê em um seminário, só que ao invés de estar preso a determinada doutrina, me abri para todas as possibilidades.

Todas as questões que antes me incomodavam me foram reveladas nas Escrituras e pelo Espírito Santo. Tudo que a doutrina batia em mim, encontrei uma resposta que não só me incomodava (a doutrinação cisheternormativa que sofremos numa igreja conservadora não está escrito de tão pesada) porque rompia com tudo que havia aprendido e absorvido na igreja desde a minha infância. E este momento de iluminação, me fez enxergar toda a hipocrisia, a má doutrina corrompida transvestida de espiritualidade e os conflitos que disso decorria.

Ao final, me permiti ser eu mesmo, mas sem perder a minha fé. Deus me amava, me aceitava como eu era. O que era, era na realidade indissociável, Deus havia me colocado no mundo exatamente como eu era, havia uma missão específica para mim. Minha cosmovisão finalmente havia se aberto para entender o Cristo e seu evangelho que antes falava, agora eu entendia e podia vivê-lo. Todo esse processo demorou mais de 1 década, da minha adolescência até minha juventude.

O passo mais difícil pra mim foi me desnormativar, retirar tudo que me foi imposto em matéria de doutrina e padrão de vida, sem que eu tivesse condição de fazer uma análise crítica durante o processo. Mesmo eu sabendo que ser gay não era um problema para Deus, de forma racional, meu emocional ainda estava todo vinculado à velha doutrina. Tive que vencer isto, para poder prosseguir.

Meu testemunho é a prova viva do que o Senhor fez em mim e por meio de mim. Eu não deixei de crer nele, ainda que as circunstâncias de confronto criadas pela e na "igreja" conservadora tenha colocado sobre mim. Um jugo que deu trabalho para tirar. Ele me resgatou do império das trevas no qual fui colocado pela própria comunidade dita cristã ao interpretar as Escrituras. Me fez enxergar como aquilo provinha do coração humano, ele não separa as pessoas, não existe diferença de gênero para ele, nem orientação sexual, nem identidade de gênero, nem diferença na cor da pele; para ele somos todos iguais. Tudo isso que esta "igreja" nos acusa tem padrões humanos (baseado nos preconceitos) e decaem, porque não provêm de Deus.

Hoje tenho a condição espiritual e intelectual de rebater qualquer conservador pelas Escrituras e fora dela. Porque esse é o legado e o motivo do Senhor ter trabalhado em mim. Permitir que pessoas como nós, LGBTQIA+, possamos ser reconciliados com ele, com seu evangelho puro, sem preconceitos. Estamos sendo mantidos a milhares de anos longe do evangelho, não por nós, mas por aqueles que se levantaram para nos barrar. O Espírito Santo tem levantado muitos de nós, para que a igreja seja recomposta em sua natureza primária e todos possamos ter de volta acesso ao evangelho que liberta nossas mentes da escravidão e nos faz livres em Cristo.

Não posso dizer de como está sua fé, mas posso falar da minha. Está inabalável! Me aceitando como eu sou, sendo aceito como tal pelo meu Senhor e Criador, sendo remido pelo sangue de Cristo, e salvo pela graça na certeza que seu Espírito Santo me dá todos os dias.

Espero, sinceramente, que você possa se abrir a enxergar isto que um dia enxerguei. O Espírito Santo está falando contigo através de mim hoje e se você quiser abrir o coração para que ele fale por meio de suas testemunhas nesta terra, estou aberto a conversar e tirar todas as dúvidas. Me procure no instagram: missao_mirfe e me mande uma DM ou no Facebook: missaomirfe. Não tem questão que você possa levantar que eu não esteja preparado de antemão ou que pela iluminação do Espírito não o seja dado na hora.


Deus abençoe a todos nós!


Messias R. Medeiros

Mirfe