domingo, 28 de junho de 2020

Estudo 5 - Casa Mirfe



ESTUDO 5


por Messias R. Medeiros



Olá, bem-vindo ao estudo 5, hoje continuaremos a interpretar os textos que são usados pelos conservadores para condenar qualquer prática não cisheteronormativa.

Iniciaremos a abordagem dos textos que foram classificados no estudo 1 como problemáticos. Focaremos apenas na análise semântica dos textos.


I – Apresentação de 1 Coríntios 6:9-10 e 1 Timóteo 1:10


O propósito aqui é discutir a própria semântica das palavras originais, ou seja, qual o significado delas, antes mesmo da interpretação do que os textos querem dizer.

Utilizarei como fonte do original o Textus Receptus (o mais conservador; vou utilizá-lo por ser o mais usado por fundamentalistas) do novo testamento em grego koinê e diversas versões e traduções que sempre indicarei na própria citação.

Começaremos por apresentar o texto de 1 Coríntios 6: 9-10 em diversas versões em português para ver como são traduzidos os termos que discutiremos:


1. Não sabeis que os injustos não hão de herdar o reino de Deus?
Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, n
em os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o reino de Deus (trad. Almeida Corrigida Fiel da Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil);

2. Ou vocês não sabem que os injustos não herdarão o Reino de Deus? Não se enganem: nem imorais, nem idólatras, nem adúlteros, nem afeminados, nem homossexuais, nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem roubadores herdarão o Reino de Deus (trad. Nova Almeida Atualizada da Sociedade Bíblica do Brasil);

3. Vocês não sabem que os perversos não herdarão o Reino de Deus? Não se deixem enganar: nem imorais, nem idólatras, nem adúlteros, nem homossexuais passivos ou ativos, nem ladrões, nem avarentos, nem alcoólatras, nem caluniadores, nem trapaceiros herdarão o Reino de Deus (trad. Nova Versão Internacional da Sociedade Bíblica Internacional);

4. Vocês não sabem que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não se enganem: aqueles que se envolvem em imoralidade sexual, adoram ídolos, cometem adultério, se entregam a práticas homossexuais, são ladrões, avarentos, bêbados, insultam as pessoas ou exploram os outros não herdarão o reino de Deus (trad. Nova Versão Transformadora da Editora Mundo Cristão);

5. Acaso não sabeis que os injustos não hão de possuir o Reino de Deus? Não vos enganeis: nem os impuros, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os devassos, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os difamadores, nem os assaltantes hão de possuir o Reino de Deus (trad. Ave Maria da Editora Ave Maria)


Utilizei 4 versões contemporâneas protestantes (evangélicas) e 1 tradução contemporânea romana (católica). Para deixar claro como elas traduzem os termos em controvérsia. Apresento a agora a versão original no Textus Receptus:


η ουκ οιδατε οτι αδικοι βασιλειαν θεου ου κληρονομησουσιν μη πλανασθε ουτε πορνοι ουτε ειδωλολατραι ουτε μοιχοι ουτε μαλακοι ουτε αρσενοκοιται ουτε κλεπται ουτε πλεονεκται ουτε μεθυσοι ου λοιδοροι ουχ αρπαγες βασιλειαν θεου ου κληρονομησουσιν (em grego koinê)


e ouk oidate hoti adikoi basileian Theou ou kleronomesousin me planasthe oute pornoi oute eidololatrai oute moichoi oute malakoi oute arsenokoitai oute kleptai oute pleonektai oute methysoi ou loidoroi ouch harpages basileian Theou ou kleronomesousin (transliterado para os caracteres latinos)


E apresentamos também o texto de 1 Timóteo 1: 10, também em diversas versões em português bem como no original no Textus Receptus:


1. Para os devassos, para os sodomitas, para os roubadores de homens, para os mentirosos, para os perjuros, e para o que for contrário à sã doutrina (trad. Almeida Corrigida Fiel da Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil);

2. Para os que praticam a imoralidade, para os que se entregam a práticas homossexuais, para os sequestradores, para os mentirosos, para os que fazem juramento falso e para tudo o que se opõe à sã doutrina (trad. Nova Almeida Atualizada da Sociedade Bíblica do Brasil);

3. Para os que praticam imoralidade sexual e os homossexuais, para os seqüestradores, para os mentirosos e os que juram falsamente; e para todo aquele que se opõe à sã doutrina (trad. Nova Versão Internacional da Sociedade Bíblica Internacional);

4. Para os que vivem na imoralidade sexual, para os que praticam a homossexualidade, e também para os sequestradores, os mentirosos, os que juram falsamente ou que fazem qualquer outra coisa que contradiga o ensino verdadeiro (trad. Nova Versão Transformadora da Editora Mundo Cristão);

5. os impudicos, os infames, os traficantes de homens, os mentirosos, os perjuros e tudo o que se opõe à sã doutrina (trad. Ave Maria da Editora Ave Maria)


Assim como fiz no texto de 1 Coríntios, mantive as 4 versões contemporâneas protestantes e 1 católica, para o texto de 1 Timóteo. Apresento, agora, o texto original:


πορνοις αρσενοκοιταις ανδραποδισταις ψευσταις επιορκοις και ει τι ετερον τη υγιαινουση διδασκαλια αντικειται (grego koinê)


pronois arsenokoitais andrapodistais pheustais epiorkois kai ei ti eteron te ugiainouse didaskalia antikeitai (transliterado para os caracteres latinos)


II – A Análise Semântica e Crítica


Em ambos os textos, os problemas, então, vêm da tradução dos termos em negrito: arsenokoitai e malakoi. Há também um discussão em torno do termo pornoi, que abordaremos rapidamente apenas para contextualização.

A palavra grega pornoi é comumente mal traduzida, principalmente quando é versada por “imoralidade sexual”, porque seu sentindo mais comum é de “prostituição”, e não se refere a um tipo de imoralidade geral como as traduções parecem induzir, mas particular. Mas, os tradutores modernos de vertente conservadora e ortodoxa insistem nesta forma porque isto favorece a hermenêutica deles.

Fechado esse adendo, passamos ao entendimento semântico das palavras citadas e destacadas acima.

A palavra grega arsenokoitai é um neologismo criado por Paulo (em 1 Coríntios) e utilizada pelo autor desconhecido de 1 Timóteo, posteriormente. Há uma discussão muito forte em torno do seu significado por não ter referências de seus uso fora destes textos. Porém, há uma certa concordância que se refiram a junção das palavras arsenos (macho) e koités (fazer sexo, se deitar com) de Levítico 18:22 (já analisamos este texto em estudos anteriores) na versão que Paulo usava que era a Septuaginta, a versão grega dos escritos judeus. Portanto, o sentindo mais simples é o de que ela se refere a machos humanos que fazem sexo com outros machos humanos (o que chamamos de homoerotismo).

Então, neste sentindo o significado pareceria claro, certo? Parece claro que os irmãos de Corínto (para quem foi destinada a epístola) e os destinatários de 1 Timóteo, entendiam o significado de arsenokoitai facilmente dentro de um rol. A questão que discute, portanto, não é se essa palavra tem ou não relação com o homoerotismo do século I d.C., mas se ela se aplicava irrestritamente a qualquer situação ou a uma questão específica.

A semântica em si não nos dá um certa segurança de sua abrangência, então, recorremos a entender como os tradutores ao longo do tempo o faziam. Vamos nos a ter as versões em português.

Traduções Contemporâneas para arsenokoitai: sodomitas (v. Almeida Corrigida Fiel), homossexuais (v. Nova Almeida Atualizada), homossexuais ativos (v. Nova Versão Internacional), praticantes de homossexualidade (v. Nova Versão Transformadora) e devassos (v. Ave Maria).

Tradução antiga: somitigo (v. Almeida de 1681), os que com machos se deitam (Almeida de 1819); os que com machos se deitam (Almeida de 1848) e sodomitas (Almeida de 1903).

Ao que parece a tradução destes termos é um tanto quanto insatisfatória, já que a palavra original é aplicada dentro de um contexto específico que não nos permite traduzí-la por “homossexuais”, já que ela, mesmo sendo conservadores, se aplicaria apenas as relações homoeróticas masculinas. E juntamente com malakoi tem seu sentido variando de acordo com os preconceitos da época. Já que não podemos traduzir a ambos dissociadamente.

Malakoi é comumente traduzido contemporaneamente como “homossexual passivo” e “afeminado”. Mas, historicamente, já foi traduzido como “depravados” e apenas “imorais”.

Ao final, ficamos que ambas as palavras não são facilmente traduzíveis, por não ter respectivos termos na modernidade. Arsenokoitai era a forma que os judeus da época de Paulo designava uma série de práticas homoeróticas, geralmente que degradavam a dignidade da pessoa humana. Era comum na sociedade grego-romana de então, se comprar e manter escravos sexuais masculinos para o deleite de seus senhores, já que o pensamento de então, ter relações sexuais não reprodutivas era ilícito com mulheres (contra a natureza), bem como era lícito fazer sexo com homens adolescentes (jamais com homens adultos e cidadãos). O conceito parece estar o tempo todo atrelado com a fragilidade de quem recebesse o sexo homoeróticos com penetração, seja por obrigação do dono, seja em troca de dinheiro seja no âmbito da pedarestia.

Não é possível, portanto, se dizer que arsenokoitai significa homoerotismo de qualquer gênero e irrestrito, mas a casos particulares. Dizia mais respeito a subjugação do outro do que necessariamente ao sexo feito entre homens.

Já a palavra malakoi que significa “macio, mole” era substantivado para se referir a homem que se colocavam no lugar de uma mulher, como se tal fosse. Era indigno a um homem, para a época, se rebaixar a qualidade de um escravo (se subjugando a ser passivo numa relação homoerótica) ou de uma mulher (permitindo que ela o dominasse na relação sexual). Veja que mesmo em relações heteroeróticas, se o homem se deixasse dominar pela mulher, ele seria considerado um malakoi.

Torna-se um tanto quanto complicado dizer que esta palavra se refira a homossexual passivo, e até mesmo, afeminado é um termo equivocado. Já que tem mais a ver com o sentindo de se subjugar a uma relação não condizendo com sua posição social.

Veja que ambos os conceitos tem relação direta com a cultura de sua época. Paulo estava falando para a igreja de corínto acostumada com essas práticas que degradavam a dignidade da outra pessoa. Fazer um homem adulto se colocar numa condição de mulher numa relação sexual era a morte civil e cidadão da pessoa. E isto reflete o caráter da cultura patriarcal de então. O texto de 1 Timóteo, colabora com esse entendimento quando coloca arsenokoitai num rol com sequestradores, dos que prestam falso testemunhos, homicidas, etc.

Modernamente, essas questões foram majoritariamente suplantadas. O sujeito homossexual não tem sua vida atrelada a um comportamento religioso ou a um comportamento de subjugação social. Não há que se falar em subjugação por ser escravo ou por se vender numa relação de degradação humana.

Portanto, qualquer tradução que der a entender que os textos de 1 Coríntios e 1 Timóteo se referiram a qualquer prática homoerótica, estão praticando obviamente um anacronismo histórico. Não há na realidade presente qualquer maneira de entender de outra forma, sem que incorra em descontextualização, conservadorismo raso e má vontade intelectual. Forçando um bocado, no mínimo é necessário reconhecer que tais textos são polêmicos e de difícil tradução.

Não estamos mais no século I d.C. e nunca vamos conseguir entender plenamente o que aquela realidade exprimia, mas podemos dizer, com certa precisão, que a condenação a homossexualidade, nos termos da atualidade, é meramente exercício de preconceitos de uma sociedade e pessoas conservadoras e nada tem a ver com espiritualidade e teologia de fato. Assim o pensam, porque antes o eram preconceituosos e se justificam na bíblia, para favorecer seus próprios preconceitos.


Ficamos por aqui neste estudo 5, e prosseguimos no próximo estudo. Até lá!

Que o Senhor Jesus esteja com cada um de nós, hoje e para sempre! A Ele seja glória para sempre! Amém!

domingo, 14 de junho de 2020

Estudo 4 - Casa Mirfe

 


ESTUDO 4


por Messias R. Medeiros



Olá, bem-vindo ao estudo 4, hoje continuaremos a interpretar os textos que são usados pelos conservadores para condenar qualquer prática não cisheteronormativa.

Focaremos no entendimento dos textos de Romanos 1:26-27, o analisaremos e o interpretaremos aos moldes do método que apresentamos no estudo 2.

Todos os trechos bíblicos aqui citados em sua versão em português será feito por meio da Nova Almeida Atualizada da Sociedade Bíblica do Brasil.


I. Descrição do Texto


Apresento abaixo o texto de Romanos 1:26-27:


Por causa disso, Deus os entregou a paixões vergonhosas. Porque até as mulheres trocaram o modo natural das relações íntimas por outro, contrário à natureza. Da mesma forma, também os homens, deixando o contato natural da mulher, se inflamaram mutuamente em sua sensualidade, cometendo indecência, homens com homens, e recebendo, em si mesmos, a merecida punição do seu erro.



II. Definições dos Contextos


É essencial para entendermos e interpretarmos o texto da melhor forma possível, seguindo o método hermenêutico utilizado, que se passem as seguintes definições:

1. Contexto Interno Local: Romanos 1:13 – 2:11;

2. Contexto Interno Global: Gálatas 5:19 e 4:8;

3. Contexto Externo:

a) o livro de romanos é uma epístola escrita (copista: Tércio) ou ditada por Paulo entre 50 e 57 d.C., endereçada à igreja de Roma. É uma carta de defesa da visão do evangelho de Cristo que Paulo fazia para esta igreja e foi escrita antes de conhecer a igreja pessoalmente. O livro precede aos evangelhos canônicos;

b) tal qual pode ser evidenciado nos estudos anteriores, o pano de fundo cultura pouco se alterou no ambiente do Império Romano. O politeísmo diverso era o praticado e os diversos cultos de festividades e bacanais eram constantemente realizados em datas específicas do ano, a prostituição cultual (sexo ritual) bem como os comportamentos de toevah eram fartamente praticados dentro das muitas religiões praticadas no território, incluindo o culto ao imperador;

c) Paulo foi formado pela escola farisaica, profundo conhecedor da Torah (lei) e do Nevi’im (profetas), utilizava em suas epístolas a sua tradução para o grego denominada de Septuaginta (LXX). A crítica textual evidencia que ao longo de Romanos, Paulo, faz citações diretas e indiretas desta versão das escrituras judaicas. Isto inclui o texto em análise que se trata de um citação indireta de Levítico 18:22;

d) Há muita discussão na crítica textual e histórica a respeito da autenticidade das epístolas paulinas, mas Romanos é consensuada como autêntica, todavia não se trata de um carta só, mas a somatória de de duas ou mais cartas. Paulo teria escrito de fato apenas 7 das 13 que a ele a tradição atribui (para entender melhor vide: http://quem-escreveu-torto.blogspot.com/2013/02/paulo-introducao-sobre-as-cartas.html e http://histriadasreligies.blogspot.com/2013/11/a-autoria-das-epistolas-paulinas.html);

e) Paulo provavelmente bebeu da filosofia grega e estoica, pois vários de seus conceitos estão espalhados por suas epístolas. Conceitos como tudo que vem do corpo ou da carne é necessariamente mal e tudo que provém da alma ou do espírito é bom e que essas realidade eram irreconciliáveis. Tudo que é puro e santo é espiritual, mas tudo que é impuro e ou indigno é carnal.


III. Interpretação de Romano 1:26-27


O texto em interpretação segue a mesma lógica dos textos de levítico do estudo anterior. O pano de fundo religioso é muito semelhante. Politeísta e com práticas cultuais bem similares aos povos antigos ao redor dos hebreus. Agora, muitos povos tremulam sob a bandeira do império romano, onde esses cultos são realizados.

O texto em si é, na realidade, uma citação indireta que Paulo faz de Levítico 18:22. E portanto, cabe aqui a mesma interpretação que fizemos em relação ao texto original. Paulo, entendia que as práticas idólatras era o grande problema do mundo romano e que Jesus, o Cristo, era o libertador desse povo da escuridão em que se encontrava:


Mas, no passado, quando não conheciam a Deus, vocês eram escravos de deuses que, por natureza, não são deuses. (Gálatas 4:8)


Esse é o entendimento de Paulo em todas as epístolas autênticas, uma forte atrelação entre as práticas e costumes dos povos da sua época com o culto aos muitos deuses, que por herança judaica do cristianismo nascente, não eram deuses de fato. Por isso, encontramos o versículo que diz:


Por isso, Deus os entregou à impureza, pelos desejos do coração deles, para desonrarem o seu corpo entre si. Eles trocaram a verdade de Deus pela mentira, adorando e servindo a criatura em lugar do Criador, o qual é bendito para sempre. Amém! (Romanos 1:24-25)


Este texto é exatamente o que antecede aos versos que estão sendo interpretados. É claro que Paulo faz uma atrelação entre o que ele esta descrevendo no contexto interno local e a idolatria. Foque nas palavra destacadas em negrito, que são traduções das palavras gregas ἀκαθαρσίαν (akatharsian – que traz a ideia daquilo que é impuro ou impróprio, no sentindo de ser o inverso do que é Santo ou separado para Deus) e ἀτιμάζεσθαι (atimazesthai – que traz a ideia de desonra, insulto, desgraça), e que nos diz muito em como essas ideias se conectam aquela ideia de levíticos da pureza ritual, de algo não fosse toevah contra a unicidade do culto ao Deus único dos hebreus. É a este mesmo Deus que Paulo está o tempo todo se referindo. A idolatria, com todos os seus efeitos, no entendimento de Paulo coaduna com o mesmo pensamento encontrado em Levítico. É na idolatria que o homem teria se afastado de Deus e por isso preferiam honrar a criatura, e isto acabava por degradar a si mesmo, padecendo de suas consequências. Esta é uma situação muito similar ao que encontramos nos textos do estudo 3.

O entendimento de Paulo me parece simples, quem é idólatra (e ele toma o exemplo de seu tempo) vive uma vida reprovável e tem por consequência, que ao ver dele era a favor ou contra natureza. Já que o entendimento judaico da época que vai ser absorvido pelo cristianismo, qualquer atividade que não tivesse um caráter reprodutivo no sexo era automaticamente contrário ao natural. Qualquer atividade sexual recreativa, era por assim, uma atividade que contrariava ao que seria natural. Na cabeça de Paulo, se aproveitando da filosofia grega, tudo que se desviava de qualquer outro preceito basilar do que era considerado natural, era um comportamento paralelo e não natural.

Então, tudo que era praticado ou feito nos templos e festivais pagãos idolátricos deveria ser afastado da igreja. Primeiro, porque era em honra e culto aos deuses que não eram deuses. Segundo, porque a igreja havia sido chamada para ser luz, fazer diferença, ser o novo israel, e suas práticas deveriam ser diferentes. Olhe para os frutos do espirito e da carne de Gálatas 5:19-23:


Ora, as obras da carne são conhecidas e são: imoralidade sexual, impureza, libertinagem, idolatria, feitiçarias, inimizades, rixas, ciúmes, iras, discórdias, divisões, facções, invejas, bebedeiras, orgias e coisas semelhantes a estas. Declaro a vocês, como antes já os preveni, que os que praticam tais coisas não herdarão o Reino de Deus. Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio. Contra estas coisas não há lei.


Na lista de coisas que Paulo apresenta a cima, veja que havia uma ligação muito forte entre a idolatria e os festivais dela decorrentes. Tudo de ruim era atrelado a eles, pois lhes faltava as obras do espírito que se ficam na moderação. Tudo que fosse exagero e descontrole era mal visto no pensamento paulino, porque em algum medida prejudicava a outro.

Veja, que literalmente, o texto em análise se refere a condição de homoerotismo. Não há o que se discordar disto. A questão passa a valer se isto se aplica a toda e qualquer situação ou é restritivo. Se você levar em consideração o seu contexto externo e o contexto interno local, não é possível afirmar isto. Uma vez que em todo o texto local há muito citação da idolatria e atrelamento a ela, como já citamos anteriormente.

Pode-se dizer que qualquer atividade homoerótica se enquadra nesta condenação? Em que situação vemos idolatria e homoerotismo caminhando juntos, se não no contexto do culto pagão e em seus festivais de fertilidade?


Conclusão


Sabemos de antemão que a bíblia em nenhum lugar se referiu à homossexualidade, muito menos as demais formas de orientação sexual e identidade de gênero, porque isto só veio aparecer como conceito no século XIX. Mas a homoeroticidade é captada em 3 versículos dentre as três dezenas de milhares existentes.

Em todas elas a marca é sempre a mesma, a atrelação das práticas sexuais dentro do contexto de culto pagão ou de prostituição ritualística. Mesmo que houvessem práticas extra cultuais, a bíblia nada a elas se refere. Não há citação da pederastia grega, nem mesmo as bebedeiras e festivais particulares de imperadores, proconsules e governadores durante todo o império romano. Parece que essas atividades, que incluíam a homoeroticidade não raras vezes, se quer mereceram o crédito de Paulo por citá-los como pecado, mesmo sendo amplamente conhecido, a tal ponto que o grande imperador Júlio César era conhecido como “homem de todas as mulheres e mulher de todos os homens”, casando diversas vezes e mantendo prostitutos em sua corte para lhe satisfazer.

Os três textos diretos que vimos até aqui, Levítico 18:22 e 20:13 e Romano 1:26-27, tem todos a mesma base e o mesmo contexto citatório: a idolatria e as diversas práticas dela decorrentes, incluindo o caráter irrefreativo do desejo sexual sendo elevado a condição de culto, e entre as práticas a homoeroticidade.

É, no mínimo, ignorância a respeito do contexto, alegar estas três passagem se referirem a homoeroticidade de forma ampla e irrestrita. Elas são circunstanciais e atreladas ao seu tempo, seja um povo hebreu cercado por pagãos, seja uma minúscula religião nascente no meio de um império pagão.

A pregação do amor a Deus e ao próximo, batia de frente contra as práticas idolátricas da época. Quem ama seu irmão não rouba sua mulher, não o trai, não bebe até perder o controle e fazer besteira, não se envolve com mulher casada, não vai para um templo pagão e participa de suas festas usando um prostituto ou prostituta, por exemplos.

A única forma de condenar a homossexualidade, sendo conservador, é ignorar o seu contexto externo e interno. É abrir mão da racionalidade divina. Isolar o texto. É acreditar que das dezenas de milhares de versículos existentes na bíblia é em três que repousa o destino de todo crente que não hétero? Se Deus é amor, e mesmo que se restrinja o caráter da graça, comparar a homossexualidade moderna ao homoerotismo do passado, é extremamente desonesto intelectualmente, porque não há muito similariedade além da presença homoerótica.


Ficamos por aqui neste estudo 4, e prosseguimos nos próximos estudos com os demais textos arrolados no estudo 1. Até lá!

Que o Senhor Jesus esteja com cada um de nós, hoje e para sempre! A Ele seja glória para sempre! Amém!